Sobre “Outubro” de Eisenstein 16/12/2005

 Rodrigo Tangerino

Direçãp 01 Prof. Ruy Gardnier Disciplina: Linguagem Cinematográfica Escola de Cinema Darcy Ribeiro

Sobre “Outubro” de Eisenstein

A transformação do comum em cinema.

A Revolução Bolchevista de 1917 trouxe à extinta União Soviética, em especial à reflexão político-artística, um novo fôlego para as discussões sobre o papel da cultura, dos intelectuais que a pensavam e a promoviam e de sua importância para o povo.

Novíssimas alternativas estéticas que, fundidas em grande medida com o próprio espírito da revolução, criaram as possibilidades para o florescimento de uma arte pública que rompesse com os valores da tradicional arte burguesa. A recusa a esta arte envelhecida e simplista aliada à uma “adaptação criativa” por parte dos russos a partir de vanguardas européias fruto de um certo desajuste subversivo natural à época, fez nascer o Cubofuturismo ou Construtivismo, carregado de uma nova sensibilidade artística que passou a ser pensada  como um instrumento legítimo e indissociável do projeto comunista. Fica claro, também, ao observar, os cartazes pré-revolução, relacionando os camponeses à luta socialista, , a presença da arte russa em seu estado mais primitivo e que viria, sem perda de méritos, engrossar o caldo de artistas de diferentes áreas em prol da transformação coletiva. Podemos citar, como exemplos desta mescla de arte, política e tecnologia, a poesia espacial e permutável de K. Maiakovski , as colagens montagem e peças publicitárias de Rodchenko, o radicalíssimo Suprematismo de Malevich, avanços no teatro, escola primeira de Eisenstein.

A presença na arte cinematográfica dentro deste panorama surge como ponto chave, já que ela tornaria possível a construção de conceitos e sentidos a partir de obras meticulosamente pensadas para atingir as massas, esquecendo-se as mediocridades lírico-sentimentais advindas da magra conexão realista – assim, portanto, em plena sintonia com as outras manifestações do movimento construtivo. De um lado, Dziga Vertov e seu Kino Glaz (cine-olho)- cosiderado por muitos teóricos como manifestação primeira do chamado “cinema experimental” -, buscava registrar visualmente cenas do cotidiano da população e posteriormente estruturá-las de maneira rigorosa e contrastante, a máquina como extensão do olho humano. A câmera passa a ser considerada como um olho capaz de flagrar situações com peculiaridades impossíveis ao olho humano. Num outro extremo, e com posicionamentos teóricos diferentes de seu companheiro de profissão, encontra-se Sergei Eisenstein, dono de um trabalho teórico mais vasto, que aponta para a forma do filme, ou seja, para as relações entre a montagem das seqüências filmadas e o que este processo acarretaria no espectador, princípio primordial de sua “montagem de atrações”, diluída com mais ou menos intensidade em seus filmes mais representativos.

Eisenstein, que havia estudado Engenharia Civil em Petrogrado, teve suas primeiras experiências artísticas como diretor e cenógrafo de teatro. Foi, em parte, na cultura oriental – fora grande estudioso das manifestações do teatro Kabuki, dos poemas japoneses e dos ideogramas da escrita oriental – que s esboçaram algumas ferramentas que posteriormente culminariam nas suas concepções sobre a montagem. A outra parte, tão definitiva quanto a anterior, estopim travesso, Eisenstein encontrou na recém gramourizada “montagem paralela” de Griffith, diretor norte-americano precursor da moderna linguagem cinematográfica. A montagem paralela consiste em apresentar duas ou mais seqüências diferentes coexistindo no corpo do filme, e, ao alterná-las, , atingir um confronto de sentido produzido pelo confronto das imagens. Griffth, por sua vez, havia tomado esta técnica da literatura de autores com Charles Dickens. A literatura, aliás, foi filmada em praticamente todos os filmes de Griffith, enquanto que Eisenstein acreditava que numa forma cinematográfica independente não só da literatura, mas também do teatro. Em “A Greve”, seu primeiro filme, rodado em 1924, já possuía seqüência bastante especiais e inovoadoras. Em 1925 com O Encouraçado Potenkin, obra máxima da cinematografia mundial, aclamado desde seu lançamento por crítica e por público, o diretor torna-se peça fundamental nos debates desta que era, segundo ele “a meias internacional de todas as artes”.

Dois anos mais tarde, Eisenstein filme “Outubro”, que fora encomendado pelo Comitê Central Soviético para comemorar os dez anos da Revolução Bolchevique. O filme estrutura-se cronologicamente, apresenta-se acontecimentos importantes nos meses em que se seguem a partir do início do 1917 até outubro do mesmo ano. Logo no início, há uma dedicatória daqueles que tornaram possível a Revolução. Não é sem razão que muitos operários, soldados e marinheiros que participaram da Revução Participaram do casting do filme. Através dos choques promovidos pela montagem, os dados históricos vão sendo apresentados como metáforas de muito impacto que em grande parte do filme exaltam s forças revolucionárias do proletariado e, por outras, ataca de forma debochada e irônica os burocratas. Estas sacadas lingüísticas causam grande efeito no espectador que, embebido no ritmo causado pelos intervalos que amenizam as seqüências mais vigorosas, acaba travando com o filme uma relação íntima de cooperação e engajamento. Os exemplos vão se formando e fica muito claro que a justaposição de planos com características simbólicas contrastantes – ou Montagem Dialética – realmente alertam os sentidos. Outro ponto a ser destacado, dentro do ritmo, é o suspense causado pela “demora” de algumas seqüências, prendendo e espectador pela emoção e pela necessidade de uma conclusão. Ainda dentro dos choques entre imagens opostas, e o que dá ao filme um caráter temático abrangente, percebemos relações entre religião e poder, monarquia e perigo, parte e todo. Todo este vendaval convulsivo está na gênese de Outubro, porém foi execrado pelos burocratas do partido, rejeitado pelo público e criticado pelos intelectuais russos. Segundo os dirigentes do Partido, Eisenstein nom tinha reservado dentro do filme espaço suficiente para os burocratas nem ao próprio partido. Algumas fontes afirmam que Eisesntein já estava sofrendo uma certa falta de individualidade e liberdade criadora. Ainda que a ditadura de Stálin não estivesse com sua força total de destruição de instauração, em arte, do happy end. Fazendo justiça, Outubro radicaliza Potenkim e não poderia ter sido realizado de outra forma, no sentido de tratar-se de um amadurecimento formal, uma supressão de possíveis defeitos de impacto não atingidos em seu filme anterior. Pode-se até falar da sombra de um tal realismo-socialista, uma influente nova alternativa, “meta” do poder e que culminaria numa destruição não só desta arte que há muito se construía, mas igualmente da vida daqueles que a elevaram.

 Legado eisesnteiniano teve seus ecos no mundo inteiro, com maior ou menor intensidade de países e gerações. No Brasil – como exemplos certeiros – podemos destacar algumas produções do Cinema Novo, em especial Terra em Transe, de Glauber Rocha e Os Fuzis de Ruy Guerra.


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